sábado, 23 de maio de 2009

Protagonismo Negro em Foco



Alexandre Henderson


Interessante que quando se concebia a dramaturgia de Larissa S/A, eu imaginava um casal interracial, ou seja, Larissa tinha pele clara e Ricardo pele negra. Mas diante de constatações cada vez mais evidentes até na própria faculdade em que estudei, a ECA/USP, descobri que preconceitos e atribuições de valor ao povo negro perspassam simples valores de cor de pele.

Muitos valores de nossa raiz africana, além claro de nossa fenotipia, têm valores simbólicos em nossa sociedade. Aqui eu lembro uma novela que está sendo reprisada, a "Senhora do Destino" (2004, Rede Globo). Lá, Cigano (interpretado pelo brilhante ator Roney Marruda) é o traficante que estapeia sua esposa frequentemente, trazendo pavor para a família toda. Ao longo da trama, Cigano morre por uma tocaia formada por Reginaldo (De Moscovis) e Rita (Adriana Lessa) envolve-se cada vez mais com o taxista português "Seu Constantino". Na dramaturgia da novela, a redenção de Rita só se dá através do casamento com uma figura de ternura, carinho e poder de fisionomia branca e por sinal européia. Certo, poderia-se dizer que isto se apresenta somente nesta novela, mas ao ler o livro "A NEGAÇÃO DO BRASIL - O NEGRO NA TELENOVELA BRASILEIRA", constata-se que essa representação desigual ao negro e a negra sempre ocorreu nas nossas obras audiovisuais.

Ao longo do final de meu percurso na graduação, fui me descobrindo cada vez mais negro. Acho que já me considerava negro, mas não tinha noção que a questão da negritude era tão profunda e tão necessária. Coisas que percebia a minha volta como pequenos preconceitos diários que eu não enxergava, comecei a compreender dentro de nossa cordialidade que estabelece muito bem os lugares dos negros.

Assim, Larissa também se tornou negra a medida que eu fui me descobrindo também negro. Desta forma, disse para mim diante do espelho : Negar minha natureza negra seria negar minha própria história.

Nossa protagonista Larissa tem a dignidade de ser a executiva que se tornou e que perseguiu muito a esse intuíto. Ricardo tem a humanidade de reconhecer que a vida corporativa não lhe pertence, uma vez que não se enquadra em discursos prontos ou uma vida baseada em auto-ajuda empresarial. Eu me sentiria muito mal se convidasse a Valquiria para o papel de uma empregada ingênua ou se eu convidasse o Alexandre Henderson para ser mais um negão com uma arma na mão na nossa TV.

Assim, os talentos de Valquíria e Alexandre estarão presentes para serem sinceros com o contexto retratado... das desventuras que um casal negro vive num mundo corporativo. Mas ao contrário de um puro denuncismo de preconceitos ou que a vida corporativa entra numa dicotomia ruim/boa, eu proponho trazer humanidade através dos olhos de Ricardo e Larissa que não negam suas origens negras e que, por isso mesmo, têm a dignidade de trazer uma história de dilemas considerados universais dentro do nosso sistemas de relações e dinâmicas de troca.

Eu fico muito feliz de proporcionar a Valquíria e ao Alexandre personagens como Larissa e Ricardo.

Abraços a Todos

Renato Candido

3 comentários:

  1. A imagem do negro na dramaturgia televisiva e cinematográfica brasileira está inegavelmente em estágio de transformação, em parte porque a nossa sociedade é agora convocada a quebrar o tabu do preconceito étnico e a mídia, pressionada a abrir espaço a essa discussão (o que provavelmente ainda acontece de maneira muito incipiente e politicamente atrelada a interesses partidários), mas também porque o próprio talento de atores negros que despontam no cenário da teledramaturgia brasileira é fator que mina constantemente as estruturas arcaicas da produção do meio, apontando para uma renovação que é inevitável. Obviamente que esse "despontar" é relativo, já que o Brasil sempre teve grandes atores negros como Grande Otelo ou Antonio Pitanga (Rio Zona Norte é um dos grandes clássicos de nosso cinema e, ainda que não fale sobre um empresário, mas sim sobre um pobre compositor, é bem verdade que não coloca uma arma na mão da personagem). Interessante notar que o filão "bang bang na favela" é fenômeno recente e que é dentro desse gênero que novos rostos foram revelados - o Benê do "Cidade de Deus" vira o Cartola de "Noel O Poeta da Vila" - talvez essa seja a grande contribuição da reiterada e excessiva exploração da violência associada à problemática social. Será assim até que, por consequência da pressão constante das forças da mudança, um Jonathan Haagensen possa começar diretamente como Cartola ou, por que não, Ricardo. Sabemos, porém, que isso só acontecerá de maneira plena quando o espaço progressivamente conquistado por atores negros, for também conquistado por escritores, roteiristas, diretores...
    Seria legal ler comentários por parte dos atores e de outras pessoas da equipe (e de fora dela, se possível?).

    ResponderExcluir
  2. Cara, só reparar uma coisa: o "Cartola" se chama "Cabeleira" no "Cidade de Deus" (e essa última personagem é certamente mais interessante do que a primeira, mas o ponto é a continuidade dos atores na tela e não a qualidade do filme - existem certamente exemplos melhores que não me ocorrem agora).

    ResponderExcluir
  3. Fico muito feliz pelo convite para fazer o Larissa. Um filme com a proposta de retratar protagonistas negros inseridos num contexto empresarial de uma grande metrópole como São Paulo. Isso é muito importante porque os negros estão adentrando esses espaços corporativos, ainda que de maneira "homeopática", mas é uma realidade. O filme corrobora com isso e tira da invisibilidade essa constatação, cumprindo, assim, a função de retratar personagens negros fora do espaço da domesticidade ou da subserviência. Vivam as "Marias" do dia-a-dia, personagens riquíssimas com suas nunaces diárias, fruto da labuta, mas celebremos também os negros(as) engravatados que estão frequentando as cadeiras universitárias e galgando espaços até então reservados somente aos brancos. Que as telas retratem também essa mobilidade social que é fato. E que venham personagens negros em todos os veículos com todas as nunaces, conflitos, com passado, relação e estrutura familiar, cenário e todos os dilemas. Independentemente se são Joões, Marias, Josés ou negros(as) em destaque nas suas áreas de atuação,representando essa classe média negra que vem se contituíndo no país. Ainda de forma extremamente paulatina.

    ResponderExcluir